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  • Foto do escritorMariana Risério

Sobre viagens, Kalaf, Chimamanda e um pouquinho de antropologia...


Quando visito uma cidade, espero que ela fale comigo de alguma forma, que aconteça alguma identificação. Quero ser absorvida, seja por belezas que preencham meus sentidos (tipo o que acontece ao olhar para o mar, quando visão, olfato, audição, são simultaneamente inebriados - sem contar tato e paladar quando a gente mergulha!), ou pela dinâmica das vidas, das pessoas, pela sintonia entre a cidade e os seus cidadãos (tudo junto, então, maravilha!).

Tendo a preferir movimento, novidades, cidades que pulsem no seu estilo, ao seu modo. Isso sem falar na comida, além de um prazer, um grande ponto de cumplicidade, expressão e união. Quanto mais sinceras, expressivas e despojadas forem as pessoas que atravessam as ruas dos seus cotidianos, mais eu me interesso pelo lugar.

A espontaneidade que eu falo me liga diretamente à “banga”, o “tirar de onda” angolano, descrito por Kalaf Epalanga em “Um Angolano que Comprou Lisboa pela Metade do Preço”. Banga diz respeito a jogo de cintura, uma vaidade sinuosa, às vezes cínica, e sensual. Diretamente relacionada também, para mim, à ginga, à malemolência baiana, que, às vezes, chega à falta de filtro beirando a cara de pau rs.

Decerto nós temos muitas coisas dos portugueses. Mas quando estive em Porto (Portugal, lugar de culinária maravilhosa, diga-se de passagem), em 2015, fazendo intercâmbio universitário, não foi bem com eles que eu senti as maiores identificações - salvo a excelente recepção, principalmente, por parte de queridas professoras, do meu chefe no escritório onde estagiei e algumas amigas -, mas, em geral, havia uma distância, uma desconfiança.

O que me faz entender que, mesmo os(as) mais bem intencionados(as), no auge da sua tentativa de apreensão de culturas alheias, fantasiam estereótipos a torto e a direito tendo ou não uma ponta de realidade no início da linha de partida. Baseados(as) em nossas experiências e gostos, juntamos as peças de uma realidade inventada, para ver se cola.

Neste sentido, no primeiro Congresso em que apresentei meu tema no Porto (violências contra as mulheres na internet), me deparei com a visão de um homem português sobre mulheres brasileiras aproveitadoras e extorsivas. Situação esta que logo contei ao rapaz responsável pelo bar do primeiro lugar em que morei, com quem fiz amizade, amizade tipicamente brasileira, já que já sabíamos sobre vidas, gostos, hábitos, famílias, de ambos rs. Ele tinha grande apreço pelo Brasil, bem como por conhecer pessoas sem pré-julgamentos. Infelizmente não me lembro seu nome, acho que José, mas lembro das conversas e de como era uma boa companhia para mim no começo da minha estadia.

Uma outra boa companhia foi o livro de Kalaf, também viajante, com seus momentos de solidão e autoconhecimento, mas cheio de bom humor. Talvez esse contato tenha, inclusive, reforçado o meu orgulho em dizer “sou da Bahia” sempre que me perguntavam.

Já Lisboa, ocupada por muitos africanos, abriu-se em uma nova experiência sensorial e de aprendizados. Me sentia na Bahia, não só obviamente - vez que em Porto quase não havia negros, o que me era bem estranho -, mas pela recepção, pelas barreiras entre as pessoas terem ficado mais fluidas. Fiquei hospedada na Misericórdia (bairro entre o bairro alto, baixa-chiado e Cais do Sodré: uma reunião deliciosa, além de no encontro estar o lindo Miradouro do Adamastor). Na casa dos queridos Ceiça e Fabrício, que conheci através de Karla, amiga brasileira que fiz no Porto - todos eles, do Belém (lugar que morro de vontade de conhecer!); Ceiça, embora não tenha nascido no Belém, foi para lá pequena, construindo, desta forma, sua identidade Paraense.

Eu e Karla fomos recepcionadas com maniçoba (um dos meus pratos preferidos), doçura (não só vinda do doce de cupuaçu que também prepararam), muita música boa e muito entusiasmo.

Lisboa estava em festa (época do 13 de junho, comemoração de Santo Antônio), amplificando ainda mais suas matizes coloridas. Fomos parar na frente de um prédio antigo e muito conservado, no bairro que era praticamente o Santo Antônio Além do Carmo (Salvador - Bahia) e a banda (eletrônica, com dub, com kuduru - pelo que me lembro) tocava da janela e as pessoas se espalhavam e se amontoavam no passeio da calçada estilo Pelourinho.

Eis que eu tropecei e a cerveja do meu copo respingou no angolano (reconheci pelo sotaque) que estava passando por mim, que, no auge da sua banga, com terno e gravata, simulou uma feição chateada e logo abriu um sorriso... onde mais aconteceria? Na Bahia, claro! Kalaf mesmo disse algo como “baianos e angolanos, quase a mesma coisa...”.

Ceiça e Fabrício também nos apresentaram a Chalo Correia, músico que nos levou ao B-leza, bar no Cais do Sodré, onde os frequentadores dançavam ao som de Kizomba, Kuduru e outros ritmos africanos, principalmente de Angola e Cabo Verde. Por tudo isso, Lisboa adquiriu para mim os contornos de uma das mais interessantes cidades europeias, por sua beleza e conservação, seu encanto, mas sobretudo, pela vida renovada e agora vivida por novos ocupantes.

Pela música (da África, para Lisboa, para o mundo: veja o exemplo do Buraka Som Sistema) e pelas gírias africanas, vastamente difundidas, se desnuda uma juventude africana e que tem dado as rédeas culturais da cidade.

Fiz essa viagem na memória, nesta semana, pois lendo o livro Americanah comecei a vivenciar com a personagem principal, Ifemelu, seus estranhamentos com uma nova cultura (ela, da Nigéria, agora nos Estados Unidos). Achei curioso ela ressaltar que “na América fingimos não notar certas coisas”, e o quanto isso quer dizer. Ifemelu se incomoda com o “você está bem?” em lugar do “sinto muito” quando a pessoa claramente não está bem, como quando a pessoa acaba de tropeçar e cair, por exemplo (e se você disser “sinto muito” eles dizem “não foi culpa sua”) rs.

Na Bahia nota-se “as coisas” até demais, como quando estava descendo as escadarias da praia do Porto da Barra com meu amigo Xuxu (que tem uma barba espessa e preta) e o cara do aluguel das cadeiras, que não dá sossego para ninguém, perguntou “vai querer uma cadeira Bin Laden?”, a gente caiu na gargalhada e lógico que esse tipo de investida que, não raro, é inconveniente, às vezes cai como uma luva para o frio do norte estrangeiro.

Encerro dizendo que gosto de me lançar para o inesperado, para a surpresa, o que muito destoa das cidades-cenário (entretanto, acho que toda cidade pode se abrir em interesses e belezas desde que bem exploradas, baseando-se no que se busca, no estilo da viagem). Fiquei muito curiosa pela experiência de meu amigo Teu, que ao ir em Praga se hospedou na casa de nativos (que abrem suas casas e suas vidas para receber visitantes) e, assim, teve uma visão única da cidade (que se tornou uma de suas preferidas).

Viajar é forma de crescer, desmistificar preconceitos e visões engessadas. Por isso me guio por Lévi-Strauss, em “A Outra Face da Lua” (escritos sobre o Japão, outro lugar que sonho conhecer e título este que, por si só, já encanta): “as culturas são por natureza incomensuráveis...”.

Cais do Sodré - Lisboa. Mariana Risério.

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