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  • Foto do escritorMariana Risério

Entrevista com Bárbara Pontes

Atualizado: 5 de jun. de 2019

Quem sou eu?

Trago vestígios de mim

Trago

Bebo notícias de mim

Embebeço-me

Busco notícias de mim

Vultos

Visto-me de mins

Dispo-me buscando vestir-me

Onde estou?

O que sou?

Para quem?

Para quê?

Sigo...

.

Bárbara Pontes.


No dia 29 de maio, assisti à peça de teatro “Desmontando Cassandra”, que fui a convite da amiga Vanessa Cavalcanti. Christa Wolf escreveu a novela “Cassandra”, entendendo que, a esta personagem (filha do Rei Príamo, de Tróia), não tinha sido dado o relevo histórico merecido. Cassandra, fora amaldiçoada pelo Deus Apolo de forma que teria o dom da vidência mas ninguém acreditaria em suas palavras. A montagem da peça foi realizada por Dinah Pereira, com direção de Luis Alonso, e apresenta três mulheres, Bárbara Pontes, Dinah Pereira, Milena Pitombo, em cena, interpretando momentos expressivos da obra. No meu último post (“As Horas”), falei um pouco das potências de grandes personagens femininas e, nessa sequência, apresento essa entrevista.

Foi a primeira vez que tive contato com a novela, assim como foi a primeira vez de Bárbara no palco, interpretando Cassandra. Se trata de uma peça de potência, que interage com todos os sentidos de quem assiste - inclusive apresentando uma trilha sonora expressiva, dirigida por Laila Rosa, com participação de Ellen Carvalho na arpa -, reafirmando as impressões que descrevi em meu último texto, sobre interpretações que preenchem e transbordam, desnudando mulheres que carregam em si todas as demandas de uma existência. “Inclusive, pode ser que o diferencial mesmo da mulher seja uma espécie de “poder de síntese”, um dom e capacidade de carregar um todo, abarcar o tudo que se quer. Neste sentido, a visão feminina é não só diferente, mas é grande e densa, diferentemente densa”.

As três mulheres em cena, totalmente no controle, não só de suas ações, mas das atenções ao redor, preenchem e transbordam. Cassandra domina. Na presença e na fala. Quando o sentir não permite o expressar (pois a expressão é subsumida pelo sentimento). Quando se pergunta do que vale saber, se não vão acreditar. Quando, sabendo do que vai acontecer, deve lidar com as frivolidades e durezas do mundo.

Foi a primeira vez de Bárbara em cena, numa peça em que, além de todas as peculiaridades, ela ficou nua e teve de raspar a cabeça - numa sociedade onde corpo e cabelo carregam infinitas simbologias.

Conheci Bárbara no PPG em Família na Sociedade Contemporânea, onde eu iniciava o Mestrado e ela concluía. Minhas lembranças dela são: sorriso, inteligência e fala afiada e sem hesitação. Recentemente, tive contato com suas poesias, ela se dedica a palavras, não necessariamente acadêmicas. Terceira visão sobre Bárbara, em cena, reunindo: pesquisa, sorriso, fala afiada e sem hesitação e entrega: não vejo o teatro de outra forma que não entrega, de corpo e alma.

Ela é historiadora, Mestra e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Família na Sociedade Contemporânea, debruçando-se sobre violências de gênero. Mantem uma relação íntima com a arte, em diversas expressões, como poesia e teatro.

Com a palavra, Bárbara:


Foto de Anderson Rodrigues

MR: Bárbara, se você puder me dizer, que contornos, que espaço, tem a arte na sua vida?

BP: A arte é vida e vida é arte. Não seria capaz de segregar uma da outra.


MR: O que você poderia dizer que mais te move?

BP: O que mais me move é a confiança na colheita, seja ela laboral, afetiva, pessoal. Tenho fé no porvir, em dias melhores.


MR: Como lidar com um tempo/contexto em que tanto a arte, quanto o sensível, têm sido relegados a “esferas insignificantes”, quando, é justamente através desse caminho, que se pode promover tantos avanços pessoais e sociais?

BP: Esse momento político sombrio que temos vivido me fez ver o mundo de outra maneira. Como sou historiadora e estudo diversos momentos históricos: de guerras, recessões, de lutas... Pude perceber o quanto essa “macro História” interfere em vidas reais, os momentos em que vivemos marcam nossa trajetória, nossa vida! Em momentos de crises e recessões costuma-se optar pelo negligenciamento da cultura e em governos que se distanciam do interesse popular os cortes se ampliam para o que é considerado supérfluo aos interesses dos detentores do capital, que acabam por “governar”, como educação, direitos trabalhistas... Enfim, um processo de derrocada total.


MR: Como foi se despir, corpo, alma, roupas, cabelo... na amplidão do que isso significa;

BP: Sempre dialoguei bem com o desprendimento em relação aos cabelos, por muitas vezes tive cabelo curto. Por uma rebeldia mesmo, por sempre ter questionado essa emolduração do feminino, mesmo antes de ser pesquisadora em gênero. Quando Dinah me convidou a fazer parte do espetáculo essa foi sua única condição: que eu raspasse a cabeça. E me disse que me daria um tempo para pensar. Respondi na lata que topava, que não precisava de tempo para pensar sobre isso. Obviamente não fazia ideia do que seria! Os primeiros dias foram bem difíceis. Sentia tudo ampliado: calor, frio, energias... E isso foi um pouco assustador, sobretudo as energias! No que se refere à estética passei dois dias sem consegui me olhar no espelho porque não me reconhecia, achava que era o ET de Varginha, com todo respeito aos ETs! Andava com lenços e chapéus até que resolvi desencanar e assumir. Os olhares me inquietavam, pois eram de inquietação. Mas, como tocar em questões estéticas pressupostas à feminilidade me tocam, decidi não me incomodar.

Com relação à nudez, foi um outro processo. Não tenho problemas com ela, mas com o uso que se tem feito da nudez feminina. Somos vistas como objeto de consumo que serve para publicizar outros objetos. A esta nudez, sou contra. No entanto, o que foi proposto ali é justamente o contrário, é uma denúncia contra essa objetificação do feminino. E, se para esse discurso, foi necessário tirar a roupa, respira fundo e vai! Afinal, é só um corpo.


MR: Sim, e ao mesmo tempo, encaro o corpo como, além de primeira casa, uma expressão no mundo, muitas vezes um ato político. Inclusive, no teatro, a corporalidade evidencia-se...

Viver é um ato político, estar no mundo é político percebamos ou não. Tenho prioridades políticas que foram sendo gestadas ao longo da vida e elas me marcam o corpo que, por sua vez, atua em prol dessas causas. Estamos sempre de um lado, até quando não nos posicionamos.


MR: Em relação às suas poesias, você as divulga em algum espaço? Esse encontro com a sensibilidade é mais seu?

Participei de um livro coletivo, publicado em 2018 “Poéticas no Divã” e tive uma poesia selecionada para uma coletânea de uma editora que deve ser lançado esse ano. Mas meu livro está sendo gestado! Tenho sonhado com ele. No mais, divulgo algumas coisas nas redes sociais. A poesia invadiu minha alma e espero que aqui faça sempre morada.


MR: O que, de Cassandra, mais te marcou?

BP: Sua dor, suas atitudes frente às mesmas. Sua lucidez e sua rebeldia.


MR: Interessante pensar na metáfora da “maldição” de Cassandra... quando a gente pensa nos silenciamentos que sofremos sempre, nem precisa estar “amaldiçoado” por um Deus para sofrê-los...

BP: Acredito que é dessa metáfora que trata o mito, sobre essa palavra desacreditada do feminino. Principalmente da mulher que ousa se recusar aos padrões de dominação: “Não lhe dêem ouvidos, ela está louca!” ainda é bem recorrente.


MR: Entre avanços e retrocessos, vem a impressão de que, quanto mais fortemente avançamos, na mesma intensidade vêm investidas reacionárias na intenção de barrar direitos e conquistas... como lidar com o “não preciso do feminismo para nada”, também trabalho com gênero e isso me incomoda muito, fico pensando em linguagens e alcances... Como é para você tais processos?

Historicamente todos os avanços populares tem ações “contrarrevolucionárias”. São os eternos jogos de poder e não é fácil abrir mão de privilégios e formas de dominação. Alguns discursos sobre o feminismo estão, em minha opinião, associados ao desconhecimento do que é o movimento. Estamos num tempo em que todo mundo se considera sabedor das coisas sem ter se dado ao trabalho de saber o que é. São as consequências nefastas da era da informação sem conteúdo. Vejo mulheres em locais de poder, tendo acesso a vivências que só foram possíveis por causa do movimento feminista. Nós, mulheres, só temos direito à voz porque outras mulheres lutaram por isso. Eu, seguirei honrando essas mulheres e buscando, assim como elas, igualdade de direitos.


MR: Sobre os feminismos, como você os vê em demandas e dificuldades atuais?

Acredito que as demandas ainda são muitas e que são perpassadas por muitos outros fatores como raça/etnia, classe, sexualidade, religião... Faz-se necessário ouvir todas essas demandas e idiossincrasias e penso que a nossa maior dificuldade hoje é a possibilidade de unificação de pautas mesmo que não sejam especificamente as minhas. As diversas subdivisões do movimento são importantes em termos de identidades, mas a união é imprescindível em termos de luta.


MR: Você está envolvida em algum projeto ou plano agora?

Tem o projeto do meu livro de poesia, penso em publicar minha tese em livro também e a proposta para atuar em uma nova peça.


MR: Como uma mulher, Bárbara, ciente de desafios e invisibilidades, qual mensagem passaria?

BP: Acredito na vida, na historicidade do mundo e na possibilidade de construirmos algo diferente para o futuro. Isso se edifica através das nossas ações cotidianas, das micro-políticas, por meio do nosso fazer. Tenho buscado fazer de mim uma pessoa melhor, mais lúcida e mais ciente das lutas que preciso lutar. Seja individualmente, seja socialmente. Seja pelo que me traspassa enquanto sujeit@, seja pelo que oprime outras pessoas. A oportunidade de “combater” por meio da arte, do teatro neste caso, me deixou radiante. Sinto que todos os anos de estudo e dedicação ao tema da opressão sobre o feminino alcançou muito mais pessoas e de uma forma muito mais impactante por meio dessa linguagem.

Vamos à luta!

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