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  • Foto do escritorPaula Ribeiro

O Salto e o trovão

O Salto


Acredito que todas minhas feridas, curei sentindo adrenalina. Era a maneira mais fácil de garantir uma felicidade de olhos fechados mais imediatamente possível.

Mas e quando o salto é feito durante a queda? É mais ou menos isso que menciono. Antes mesmo de chegar ao chão, faço o impossível: pego carona com um novo avião, fico excitada em conhecer novas pessoas capazes de dar um salto e sempre decido pular sem observar direito onde vou cair ou planejar uma forma de amortecer a queda. Pulo acreditando valer a pena dessa vez, que estará alguém de mãos dadas comigo, mesmo caindo no concreto.


Detalhe: tenho medo de altura. Então o que eu estou fazendo nas alturas, a não ser caindo? Venço o medo quando a paixão vem, parece que tudo é possível, inclusive meus sonhos. Olha que incrível, amar e os sonhos viram quase realidade. Quase. É a tal felicidade de olhos fechados, que faz com que enquanto caio, eu apenas sinta a adrenalina no coração e o vento ensurdecedor no rosto. Parece até que posso voar.

E então quem está comigo apela pela própria vida e diz que precisa acionar o paraquedas porque não pode suportar o impacto, solta da minha mão e tem uma aterrissagem confortável. Eu digo que por amor, prefiro deixar a pessoa se salvar do impacto, enquanto há um perigo iminente para mim.  


Vivi uma queda de 8 anos, o que significa que caí confortavelmente por anos. Parecia maravilhoso, enquanto caia, podia pegar uma corrente de vento, viver a queda com outras pessoas e sempre dava um jeito de voltar para aquele lar decadente. Esse lar me dava alegria de tão confortável, também irreverente, mas no limiar do decadente. Como uma nuvem, que parece sólida e acolhedora, porém sua estrutura é feita de gotículas de água e portanto, não sustenta a ilusão e é quase que imaginária.


O trovão


Buscar em si o ancestral e essência tem a potência de propulsão. Então, na queda, ainda no céu, vi um trovão e aquilo me inspirou a encontrar uma maneira de cair certeira, iluminada e elétrica. Todos aqueles elementos que até agora fizeram parte do meu entorno, percebi que eram externos e imprevisíveis. Como transformar-se em trovão tinha a ver com processos tão internos, que nem eu os havia acessado até então.


Dentro de mim sempre houve sonhos e epifanias tão fortes em mostrar-se como caminho e não como ilusões oníricas. Esses sonhos eram mais uma marca única que gostamos de pensar que deixaremos no mundo, ao nosso modo e com a importância medida através do quanto aquilo nos traz alegria e desafio. Sonhar, antes de mais nada, é conectar-se com sua essência e então revisitei esse espaço interno de lembranças, de desejos, de marcas pretendidas e a razão de ser daquilo tudo. Isso é muito poderoso, mas, sobretudo, é poderoso reconhecer-se sozinha e completa.


Existem sonhos em conjunto, em dupla, em família, entre amigos, entre comunidades e nações, e isso nos revela humanos enquanto nos mostra o quanto somos interdependentes e conectados. Porém, para sermos conjuntos, duplas e comunidades, precisamos ser completas por si. Então busquei a solidão, a ancestralidade e meus sonhos mais íntimos, por mais que parecessem estúpidos ou demasiados desafiadores. E nesse movimento, criei luz, eletricidade e objetivos clarificados.


Criei luz porque me desvendei pra mim mesma, vi e acessei o que são as coisas que estão dentro e que me dão vida, a luz da verdade da nossa essência. Criei eletricidade porque criei contradições, atritos e muito movimento - esse é o momento mais complicado, porque significa estar à frente do que te faz contraditória, porém humana. Ainda que sejamos pressionadas a sermos suaves e delicadas, há dentro de nós o feio, o mal e o escuro. A eletricidade vem daí, do atrito das contradições, dos dois lados de quem somos e do modo como sobrepomos as duas camadas e criamos a propulsão do aprendizado para frente.


O objetivo clarificado veio mais da ação das duas anteriores, a visão de onde queria chegar veio de olhar a luz e criar eletricidade. Quando estava pronta, mesmo sem plena consciência, transformei-me em trovão.


E o trovão, indestrutível e imbatível, me deu o poder de aliviar a minha eterna queda e de me levar aonde queria chegar. Sem intermediários e sem canais externos, meu próprio universo interior me deu o poder necessário de me carregar em eletricidade e luz e chegar aos meus objetivos clarificados.



Paula Ribeiro é gestora de projetos culturais, com formação interdisciplinar em Humanidade e Relações Internacionais, agora faz Mestrado em Gestão Cultural em Lisboa, Portugal. Acredita na cultura e no encontro como instrumentos poderosos de desenvolvimento e sustentabilidade. Mas sobretudo acredita que a palavra é o recurso mais sensível e libertador para criar pontes e embelezar o mundo.


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